domingo, 2 de setembro de 2012

Poderia ser.


Hoje ele chegou em casa e repassou a semana na mente. Todas aquelas noites em claro. Já se acostumou a conciliar estudos, provas, projetos, trabalho extra a fazer em casa, mil obrigações a cumprir. A sala, o quarto, a cozinha, toda e qualquer parte do cubículo solitário em que vivia estavam em quase completo abandono. Falta de tempo. Pela mesma falta de tempo, só seus livros e discos estavam no lugar. Sequer pôde dar play em alguma trilha sonora pra embalar sua solidão.

Ela já havia combinado a saída com um grupo de amigos na semana passada. Precisava estar com eles, preencher com conversas supérfluas o vazio que alguém há pouco tempo deixou em seu peito. “Precisa ser assim” pensou, durante o banho rápido pra não se atrasar. “Pelo menos as coisas ficam um pouco mais fáceis quando tenho companhia”. Saiu do banho, soltou os cabelos, realçou os lábios e cobriu o corpo com o vestido mais leve e confortável. Não precisava exagerar. Ainda era muito cedo pra que alguém a achasse atraente.

O celular dele apitou. Algum amigo perguntando sobre seu sumiço. “Arranjou alguma garota e não quer nos apresentar? Hoje vamos pro mesmo lugar de sempre, nos encontre lá. P.S.: pode convidá-la.” Não havia garota. Havia apenas os degraus que ele precisava subir sozinho pra alcançar seus sonhos, lá longe. Precisava fazer isso sozinho e ocupar todo o tempo possível, mas hoje poderia sair com os amigos. Não queria perdê-los ou chateá-los, eram poucos.

O interfone tocou e ela não seu deu ao trabalho de atendê-lo. Não precisava pedir para que esperassem mais cinco minutinhos, estava pronta. Em menos de quinze minutos, ela e seus amigos já dividiam uma mesa no cantinho do estabelecimento (indefinido, era um lugar tranqüilo, um misto de cafeteria-bar-com-um-palco-pra-showzinhos-e-vexames-no-karaokê; barfeteria), ali, perto do palco. Todos gostavam de música, independente de quem aparecesse ali pra errar notas ou desafinar no refrão.

Ele foi com os amigos, que sempre cometiam a mesma estupidez: encontravam-se naquele barzinho estranho e aconchegante e logo partiam pra algo mais agitado. Gostava de todos e da companhia deles, mas depois de noites insones com a mente oscilando entre aprendizado e solução de problemas, não era numa noitada vazia com os amigos que gastaria suas energias. Preferia mesmo era poder conversar, mas acabou sozinho, migrando da mesa para o balcão. Em algumas poucas noites deixado sozinho (sim, porque quis) pelos amigos, quase já havia conhecido o barman; tragicômico. Não tão ruim, isso pelo menos não o deixava desconfortável.

Bem-resolvida, ela já sabia que voltaria para casa sozinha; não via problema algum nisso. Era o que queria, o que precisava. Alguns amigos já haviam se despedido, então o cansaço a ajudou a decidir por se despedir também. Todo dia é quase uma vida nova e, começando por amanhã, ela ainda tem muito a resolver. Visitar a família, procurar na livraria os títulos de alguma lista, pagar contas, perder alguns minutos em frente ao computador procurando algum show que lhe dará horas de satisfação, talvez até dias. Tem vontade de aprender algo novo, talvez logo providencie alguma matrícula. E tudo o que tinha a resolver desapareceu de sua mente enquanto deixava seus amigos em direção à porta.

Se eles tivessem prestado mais atenção ao que acontecia ao redor, talvez tivessem percebido um ao outro. Ele teria reparado naquele vestido inapropriado para um barzinho, mas completamente apropriado ao corpo esguio e delicado dela. Ela teria reparado que ele tinha a barba por fazer, desleixo lhe conferia certo charme. A noite inteira, ela sorriu seu sorriso mais bonito; ele, um pouco preguiçoso, prestou atenção em tudo o que os amigos diziam, com aquele olhar de quem quer sempre aprender. Gestos, camisetas, sapatos, sorrisos, testas franzidas, expressões bobas ou envergonhadas, mãos sem um destino. Esses detalhes e tantos outros mais de quem não se vê acabam passando despercebidos.

Ela a caminho da porta, ele ao balcão. Ambos vítimas de leve embriaguez, tanto do álcool quanto da distração pela quebra de rotina. Ali trocaram um olhar. Duradouro, sem querer, por ambas as partes. Pareciam ter a mesma expressão e, por um momento, entenderem um ao outro. Ninguém pestanejou, o diâmetro das pupilas talvez tenha oscilado. Como se fosse a primeira e a última vez que se encontrassem – sem querer. A excitação pelo desconhecido e o adeus. Como todos os olhares de um eterno romance, resumido num único olhar de dois desconhecidos. 


domingo, 20 de maio de 2012

Me cura.



Ei, eu me perdi. Tá tudo confuso, aqui. Vem me buscar, me leva pra algum lugar, segura minha mão bem firme, senta do meu lado e me aquece. Brinca com meus dedos, com meu cabelo, e não desvia o olhar quando eu o procurar.

Me segura bem perto? 'Cê sabe que eu tremo sem motivo nenhum. Aguenta firme, logo te sinto por inteiro e todo o tremor passa. A insegurança passa. O medo passa. E aí a gente pode olhar quietinho pro céu até o silêncio ficar insuportável e eu falar alguma das minhas besteiras, desabafar alguma angústia ou dizer que contigo eu estou feliz.

Mas vem logo, não precisa avisar. Se você sair daí agora, não demora muito a chegar. Eu vou estar sempre de olho por uma fresta da cortina, prestando atenção em alguma telinha com seu nome piscando ou em qualquer barulho que preceda sua chegada. Mas chegue de surpresa, prefiro assim. Não me conte dos seus planos, não prometa, não jure, simplesmente não diga. Deixe pra dizer o que deve ser dito olhando nos meus olhos e sentindo minha respiração baixinho no teu peito.

Só te peço uma coisa: não se assuste, dessa vez. Não fuja. Eu vou querer te aconchegar mesmo quando você quiser fugir, vou carregar comigo a sensação de que o teu olhar tem algo estranho e triste. E que você precisa de alguma coisa que eu nunca vou saber o que é. Eu vou sentir tua falta, vou querer ouvir tua voz, vou procurar saber como está quando não tiver notícias, e mesmo assim terei medo de sair na rua e te encontrar de repente. Mas eu sou essa confusão, costumo pensar sobre mim - e nem eu consigo me entender. Vejo todas as pessoas  como estradas contínuas, com começo, meio e fim. E me vejo num trânsito caótico de alguma cidade movimentada e desconhecida: não me encontro.

Ainda não sei me cuidar, por mais que me digam pra fazer isso, por mais que eu tente. E eu tento, mesmo sabendo que é só pra cumprir todas as vezes em que prometi fazer isso. Sabe, eu quero continuar sendo forte, quero acreditar que sou tudo o que ouvi ser, praticar o que aprendo estando sozinha. Mas não te impeço, se quiser vir me cuidar.

Então... Vem me buscar, me leva pra algum lugar?

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Agora. (01)



Mas eu decidi que, assim... eu vou cuidar de mim. Não que assim eu ganhe mais, apenas percebi que perco menos. Perco menos amizades, percebo quem não era amigo. Perco menos tempo tentando consertar erros que não foram meus. Menos falta de sono, de concentração, de apetite.

E vou deixar ir pra longe quem quiser. Manter por perto só quem achar melhor assim, quem precisar e conhecer muito bem a reciprocidade; quem fica por amor e não por pena. Tentar deixar saudade, sentir saudade, matar saudade e o mais importante: não deixar acumular saudade.

Me apaixonar cada vez mais pelos meus livros. Cuidar das pessoas como cuido deles - relendo alguns trechos de vez em quando, tirando o pó, reorganizando, tirando-os da estante pra deixá-los respirar um pouco. Arrumar uns fones novos pra fazer o que faço de melhor: me encher de música e absorver delas tudo o que me for possível. Viajar nos riffs, me jogar nos solos, afogar nos vocais e morrer de amor às vozes. Voltar a escrever e desenhar ainda mais: sujar o papel de tinta, de giz, de caneta, de cor-de-lápis, preencher a tela do computador com caracteres, só pra não marcar o travesseiro com círculos úmidos e salgados.

De mim, quem quiser saber, é só perguntar. Talvez eu conte como vão as coisas, se puder, se assim melhor for. Dos outros, não pretendo saber além do necessário pra convivência - com raras exceções. Vou tentar dar conta de viver o que puder agora; todos sabem que o futuro é incerto. Talvez amanhã eu possa deixar a cama vazia por mais tempo, um livro marcado em alguma página aleatória, um álbum sem ouvir, um texto sem escrever, uma sms por mandar, o telefone na mão sem coragem pra ligar. Não faço questão de preencher todas as lacunas, só gostaria de não deixar pela metade as mais importantes.