terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Não chegamos com manual de instruções.



Deve haver razão para não virmos ao mundo embalados numa caixinha, acompanhados de um manual de instruções. Alguém lê manual de instruções? Quem lê manual de instruções?

Pra ler o manual de instruções, espero o telefone celular enlouquecer e pedir uma senha de acesso até então desconhecida. Espero a câmera travar na função pôr-do-sol, pra só depois descobrir que dois botões resolveriam o problema. Espero a tevê sair do ar e até assisto a uma maré de pixels em preto-e-branco pra ver se ela volta ao normal sozinha. Uso o processador apenas como liquidificador, porque “o que fazer com as outras peças e funções” é algo que está lá, no manual de instruções.

Ler o manual é buscar a solução antes que apareça o problema. É ser prevenido, precavido, preocupado, prequalquercoisa. É ter coragem de ter medo que o pior possa acontecer; é saber que talvez seja preciso vasculhar nas gavetas da memória alguma informação lida e aprendida antes de ser necessário.

E se nós viéssemos com manual de instruções? Todos os nossos medos, angústias, sonhos, desejos, qualidades, defeitos, problemas que pudessem vir a existir e a solução para cada, habilidades, propensões a desenvolver o que quer que fosse... Tudo devidamente separado por categorias facilmente acessíveis num sumário. Cidades onde se encontra assistência técnica autorizada, seguidos de endereço do fabricante e 0800 na última página.

O manual de instruções é o fim de muito mistério. Aquela peça vai ali, ó. Isso, agora é só parafusar e pronto.

Quem estaria disposto a virar páginas a fim de saber o que se passa com o outro? Talvez não leríamos nem nossos próprios. Talvez fosse invasão de privacidade. Lê-lo tavlez seria estar apressado, seria caminhar um passo à frente. Seria como stalkear toda e cada parte de um alguém-produto.

No simples impulso de vontade, seria possível descobrir ali uma infinidade de informações. Talvez perdesse completamente a graça saber como alguém funciona, seus porquês, o encaixe de suas engrenagens, os detalhes dos diversos materiais e acabamentos. Certas vezes seria preferível manter distância dos detalhes de alguns. Seria questão de escolha manter o segredo e seguir com o desafio de mútua descoberta e conhecimento. Mesmo que, afinal, se ouvisse de alguém com rosas nas mãos:
– Tu poderias saber que prefiro orquídeas...