quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Sobre o coração que procrastina.

Deixa pra depois. Por que agora? Pode ser amanhã. Pode ser outro dia. 

Tô sem tempo. Tô sem vontade, tô sem coragem.

E é assim que começa o adiamento de qualquer sentimento. De qualquer ação. De um reconhecimento, de uma parabenização, uma congratulação, um agradecimento, da valorização de quem está por perto. Procrastinamos ligações, cartas, bilhetes amassados, mensagens no meio da madrugada.

A gente não diz que ama por medo de não ser amado de volta. Não admite que quer alguém por perto por medo de, no dia seguinte, esse alguém nos deixar. Não agradece porque pode deixar pra amanhã. Adia o choro pra não deixar que alguém perceba qualquer fraqueza. Adia o sorriso porque o motivo dele é alguém que nos causou rancor. Não abraça pra não ficar encabulado ao demonstrar o desejo de encher o peito de conforto e os braços com alguém querido. Não admite pra não precisar passar por nenhum julgamento, é mais fácil manter assim. Não fala o que pensa pra não ser alvo de pensamentos negativos. 

A relação de coisas procrastinadas versus coisas procrastinadas que afinal deram certo não costuma ser muito boa. Parece que os cinco minutos pra escrever a conclusão do trabalho antes da entrega ou pra estudar antes da prova vão render mais que horas a fio de estudo. Parece que se a gente esperar até algum momento oportuno vai ser melhor, menos estranho e mais agradável fazer alguma declaração. Marcar data pra visitar alguém parece ser mais certo que aparecer de repente e fazer uma surpresa antes do tempo. Parece que desacelerar ou parar uma leitura vai fazer o final daquele livro tão bom nunca chegar; deixar pra ver depois o final do filme também dá a mesma impressão. Esperar a ocasião de conversar com um amigo parece ser mais conveniente que procura-lo na lista de contatos e buscar conforto logo. 

Tudo por medo. Medo da rejeição, de passar algum tipo de vergonha, da falta de reciprocidade, de ser inconveniente, de causar má impressão, de deixar-se transparecer. Deixamos passar tantos abraços amigos, vozes roucas de sono por atender no meio da noite, tantas aprovações, tantos pensamentos semelhantes, tanto alívio por ter tudo pronto antes do prazo final. 

A gente acaba por viver se alimentando de preocupações, ansiedade, estresse e o que mais vier no pacote Procrastinação. Antes mesmo de fazer nossas vontades, somos bombardeados com a sensação prévia de que tudo vai dar errado. 

É perceptível que alguma coisa sempre está faltando - ou sobrando, explodindo no peito, esperando pra ser dita. Por que não deixar transbordar? Tudo tem sido tão efêmero que, se tudo der errado, logo ninguém mais vai lembrar. Se der certo, o resultado permanece por um bom tempo causando sorrisos do remetente ao destinatário. 

Coloque as possibilidades de resultados em uma balança e jogue-se para o lado que mais provavelmente lhe faça transbordar o peito de felicidade. Estar disposto a fazer alguém feliz, apenas dizendo pequenas palavras sinceras guardadas há muito tempo, pode ser o peso que vai fazer a diferença nessa balança. 

Depois pode ser tarde demais. O tempo pode já ter passado. A coragem pode perder ainda mais força depois que perde-se a chance de dizer o que está guardado - fazer o que está agendado, matar a saudade que cresce a cada dia mais. A vergonha não é nada quando deixada de lado em troca do calor de um sorriso. O preço da dor de precisar deixar alguém ir sem se despedir devidamente é muito maior que o preço do medo de não ser recíproco. O preço de uma amizade é muito maior que o de ficar sem graça ao admitir um erro. 

Faça hoje. Diga hoje. Ame hoje! Perdoe hoje. Ligue hoje. Peça um abraço hoje. Dê corda no seu coração, deixe que ele trabalhe e liberte o que vive aí.

Não há como pagar o preço de ser tarde demais. 





terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Não chegamos com manual de instruções.



Deve haver razão para não virmos ao mundo embalados numa caixinha, acompanhados de um manual de instruções. Alguém lê manual de instruções? Quem lê manual de instruções?

Pra ler o manual de instruções, espero o telefone celular enlouquecer e pedir uma senha de acesso até então desconhecida. Espero a câmera travar na função pôr-do-sol, pra só depois descobrir que dois botões resolveriam o problema. Espero a tevê sair do ar e até assisto a uma maré de pixels em preto-e-branco pra ver se ela volta ao normal sozinha. Uso o processador apenas como liquidificador, porque “o que fazer com as outras peças e funções” é algo que está lá, no manual de instruções.

Ler o manual é buscar a solução antes que apareça o problema. É ser prevenido, precavido, preocupado, prequalquercoisa. É ter coragem de ter medo que o pior possa acontecer; é saber que talvez seja preciso vasculhar nas gavetas da memória alguma informação lida e aprendida antes de ser necessário.

E se nós viéssemos com manual de instruções? Todos os nossos medos, angústias, sonhos, desejos, qualidades, defeitos, problemas que pudessem vir a existir e a solução para cada, habilidades, propensões a desenvolver o que quer que fosse... Tudo devidamente separado por categorias facilmente acessíveis num sumário. Cidades onde se encontra assistência técnica autorizada, seguidos de endereço do fabricante e 0800 na última página.

O manual de instruções é o fim de muito mistério. Aquela peça vai ali, ó. Isso, agora é só parafusar e pronto.

Quem estaria disposto a virar páginas a fim de saber o que se passa com o outro? Talvez não leríamos nem nossos próprios. Talvez fosse invasão de privacidade. Lê-lo tavlez seria estar apressado, seria caminhar um passo à frente. Seria como stalkear toda e cada parte de um alguém-produto.

No simples impulso de vontade, seria possível descobrir ali uma infinidade de informações. Talvez perdesse completamente a graça saber como alguém funciona, seus porquês, o encaixe de suas engrenagens, os detalhes dos diversos materiais e acabamentos. Certas vezes seria preferível manter distância dos detalhes de alguns. Seria questão de escolha manter o segredo e seguir com o desafio de mútua descoberta e conhecimento. Mesmo que, afinal, se ouvisse de alguém com rosas nas mãos:
– Tu poderias saber que prefiro orquídeas...


terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Notas sobre páginas rabiscadas.

Lucas!

Decidi escrever pra você enquanto leio teu presente. Me pareceu uma boa ideia. Comecei a leitura essa semana, mas os estudos, trabalho e tudo mais me consomem quase por completo. Lerei sempre ao ter tempo livre e me atreverei a falar as baboseiras que me vierem à mente.
(12/11/12)

Se o garoto Philip fosse algo como meu amigo, eu diria que ele tem se isolado. Hoje, justamente hoje em que eu lia na sala de aula com meus fones, só pra afastar conversar inoportunas (rs). Justamente hoje, quando eu não quis papo com ninguém. Tudo por concluir que a maioria das pessoas tem sido medíocre o suficiente pra falarem, falarem, falarem e jamais pararem pra ouvir. Tem sido como se dissessem, sem pudor, que suas vidas são mais importantes. Seus feitos. Suas piadas. Enquanto eu penso, em silêncio, "vocês não sabem o que eu levo no peito". Logo depois, um outro Lucas me lembra que "é por isso que eu digo que eu não sei lidar; é muito mais do que o meu peito pode suportar". | Muita coisa tem feito sentido, pouca coisa tem feito sentido. Mas o que é a nossa consciência sobre o que faz ou não sentido, perante a infinita grandeza do Universo?
(13/11/12)

Talvez tu vá achar que eu sou louca, ou finalmente ter certeza disso. Mas insanidades acontecem, coincidências também. Hoje estava voltando da faculdade lá pelas 22:30 (ontem? Enfim). Ali no meio da rua, pertinho de casa, tinha (e quiçá ainda esteja ali) uma laranja no meio da rua. Sim, uma laranja no meio da rua. Estava chuviscando, aí lembrei de Tomato in The Rain - Kaiser Chiefs. Mas lembrei quase ao mesmo tempo  daquela foto em que o nosso planeta Terra aparece, quase por um acaso, e é comparado a um grão de areia. A um resquício de pó, perdido no Universo. Porra, Lucas! Jurei pra mim que sequer ligaria o computador, mas o fiz, e vi um post teu falando da mesma foto. Sorri. | A laranja no meio da rua. Bem, todas as reflexões que já fiz sobre aquela foto em que a Terra aparece se aplicaram a essa situação. Depende da importância que se dá. Minha visão sobre ela seria, certamente, diferente de quem a encarasse lá do final da rua. Minha visão certamente também seria diferente da de quem passasse por ali faminto com uma faca à mão. Me leva a pensar que se Alguém além de nós existe, durante toda a quase infinidade de tempo que se sucedeu até o dia de hoje, não tem observado suas laranjas muito de perto. | Mas aí já é outra história.
(14/11/12)

Lucas, às vezes algumas coisas fazem completo sentido. Parece que o susto tá ali, logo na esquina, esperando só pra ver que lado a gente vai escolher.
(19/11/12)

Certo. 23h59min, prometi a mim mesma que dormiria antes de 1h, então lá vamos nós. Não é insônia, é teimosia. | Acho que você nem vai se importar se eu jogar aqui qualquer tipo de devaneio ou angústia. Espero que não. Mas é gostoso ter pra quem escrever. Ter onde dizer o que der vontade. | "Se a gente morasse na mesma rua, essa conversa seria outra". Seria ali na frente, na calçada, tentando mensurar a grandeza da escuridão que nos cercasse. Prepara a playlist da noite aí, eu deixo. Música é tipo uma ponte que a gente tem, não é? Pontes unem lugares distintos, distantes, diferentes. Já pensou que muita gente que nos deixa feliz e muda nossa vida talvez nunca chegue ao aconchego de nossos braços? | Quando lembro disso, arranjo um ninho de palavras, pensamentos e acordes em algum par de fones; faço disso tudo um abraço.
(19-20/11/12)

Por favor, não conte quanto tempo se passou nesse hiato gigantesco desde a última vez que escrevi. Uma semana depois de já livre do final do semestre, uma semana de descanso à mente, já posso voltar a ler e escrever. Sério, estive perturbada com tamanho alívio que acabei largando das palavras. Tanto lê-las quanto escrevê-las. Sobre palavras, comentarei: estive no Museu da Língua Portuguesa, visita infelizmente breve. Dez minutos de narração sobre a história de nossa língua-mãe, seguidos de vinte minutos de poesias, enquanto projeções incríveis aconteciam no teto. As palavras eram estrelas. Talvez não fossem tão incríveis assim, mas me tocaram tanto que foram vinte minutos de Tassiane chorando (e soluçando sem controle) ao ouvir coisas que me remetiam ao tempo de escola ou à infância. Sei lá que emoção foi aquela. Vinte minutos de poesia e lágrimas que compensaram quaisquer contratempos da viagem. | Ah, fiquei hospedada no alto de um sexto andar. Já se consegue imaginar do que acabei lembrando.
(14/12/12)

Consegui terminar a leitura de Servidão Humana. Preciso admitir essa overdose de pensamentos sobre a vida desde então. Lembro que algum professor usou também da analogia com um tapete ou um tecido. Nenhuma vida se tece melhor que a outra. Nem mais bonita, nem mais valiosa. Nenhuma chega a ser igual. São apenas todas diferentes. Depois que chegam ao fim, sim, pouca diferença cada uma faz, exceto pela intervenção que se faz nas emoções alheias enquanto se vive. Pouca coisa sobra, poucos viram história. | Há poucos dias, ouvi alguém dizer que meu lugar não é aqui. Não, não como ofensa; apenas porque é perceptível que nessa cidade eu não me encaixo. Foi-me impossível não comparar com todos os sonhos de Philip viajar pra longe, pra lugares idealizados por ele como os certos pra se viver ou fazer sentido em si próprio. E eu realmente pretendo deixar daqui, não que não goste. Mas quem sabe? Quem há de saber onde vou estar amanhã? Nunca fui de muita coragem ou metas ou planos, mas percebo que com um pouco de esforço sempre acabei mudando pra melhor (fora o senso de humor atualmente incompreensível). | Ter em mãos o infinito. Philip sempre pôde. Seguiu caminhos absurdamente diferentes dos que havia planejado. Cometeu os maiores erros. Foi mais longe do que algum dia imaginara ir, mesmo que na direção errada. | Amor é praga e bênção na vida de qualquer um; nos faz ir além do que pensávamos ser o limite até para a sobrevivência. Amor e ódio acabam coexistindo, a gente foge e corre atrás do que nos correu e nos fez bem também. (Maldita Mildred.) Mas sobrevive. Tem sorte a alma que algum dia puder se entregar à reciprocidade. | Tu tens teus apenas 16, eu meus apenas 19. Com o tempo as coisas vão ficando mais sérias, profissionais, adultas, práticas, monótonas, cinza. Não sei se é bom ou se é uma pena que tenhamos que perceber isso cada vez mais cedo. Tudo deveria ser levado com mais tranquilidade, coragem, cores, atrevimento, ânimo, vontade, voz. Música. Livros. Céu noturno. Perfumes. Deveriam ser mais fáceis, já que tudo parece ser efêmero e ter como único propósito o fechamento do ciclo início-meio-fim. | Que em meio ao caos, nos sobre tempo e capacidade o suficiente para sentir. | Já é 2013. Feliz vida nova a cada dia.
(01/01/13)

Muito sinceramente, Tassiane Wanderweger.

A Lucas Amorim.